sábado, 29 de dezembro de 2012

Portfolios ótimos


 (artigo originalmente publicado  na Revista Informe SENN nº 23,p. 10-12,  maio 1994)

 

Portfolios ótimos:

  um exemplo prático


O retorno e o risco de carteiras de ativos de renda variável e de renda fixa

Até o advento da chamada teoria moderna de portfolios, era noção comum que o nível de risco de uma carteira de investimento em ações era minimizado quanto maior fosse o seu grau de diversificação, isto é, quanto maior o número de títulos integrantes de um portfolio, menos ele incorreria em risco específico, permanecendo apenas com o risco não-diversificável ou o risco de mercado.
Harry Markowitz (1952) teorizou que isto não era bem verdade e que existiriam portfolios eficientes, sem diversificação supérflua, que seriam os preferidos por investidores nacionais. E um portfolio para ser considerado eficiente deveria possuir o maior retorno para o seu nível de risco ou, então, o menor nível de risco para uma dada taxa de retorno.
Ele afirmou, adicionalmente, que era possível identificar estes portfolios eficientes através da análise de três informações: da taxa de retorno de cada título integrante do portfolio; das variações destas taxas de retorno (variância ou desvio padrão das taxas de retorno); e das relações entre a taxa de retorno de cada título com a de todos os outros títulos (a covariância entre as taxas de retorno). Por outro lado, um programa de computador – na realidade para resolver o problema de cálculo matemático do seu modelo, conhecido como programação quadrática – encontraria o portfolio eficiente ou o portfolio ótimo entre um conjunto de títulos.
O método de Markowitz, entretanto, mesmo com o auxílio do computador, na prática não foi utilizado como instrumento de construção de portfolios ótimos dada a sua complexidade de cálculo. Além disto, para se encontrar um portfolio ótimo de n títulos existe a necessidade de que sejam calculadas n (n – 1) duas covariâncias. Assim, se desejarmos montar este portfolio a partir de um conjunto de 100 títulos, por exemplo, há a necessidade de que sejam calculadas 4.950 covariâncias entre suas taxas de retorno! E este número aumenta exponencialmente com o aumento dos títulos investíveis.
Alguns anos mais tarde, William Sharpe (1964) concebeu um modelo muito mais simples, denominado de modelo do índice único, demonstrando que a relação entre o risco e o retorno entre os títulos é uma relação linear e esta relação é explicada por um índice de mercado. Assim, todos os títulos estão correlacionados com este índice de mercado. Esta simplificação elimina a necessidade de se calcular as covariâncias entre todos os títulos, bastando para tanto verificar-se a relação, ou a sensibilidade, entre a oscilação de um título e a oscilação de um índice de mercado ou o seu coeficiente beta.
Para se otimizar portfolios através da metodologia de Sharpe são necessários os coeficientes betas de cada título, calculados através da regressão entre os retornos destes títulos e um índice de mercado adequado, isto é, que tenha como critérios de ponderação o valor de mercado das ações. A necessidade de se dispor de bons betas para a utilização deste modelo é de fundamental importância, já que o coeficiente beta descreve as informações contidas na matriz de variâncias/covariâncias entre títulos.
Em 1978 Sharpe deu outra contribuição para o modelo original, criando um algoritmo que tornou viável e prático o cálculo de portfolios ótimos, através da eliminação da programação quadrática para resolver o problema matemático. Como o próprio Sharpe afirma em seu artigo original (An Algorithm for Portfolio Improvement, Research Paper nº 475, Graduate School of Business, Starford University, Oct. 1978), a idéia básica do algoritmo é “embaraçosamente simples” e cada iteração por ele realizado melhora um portfolio possível calculado anteriormente.
O objetivo do presente artigo é encontrar, baseado neste algoritmo, dois portfolios ótimos: um reunindo um conjunto de ativos de renda fixa e outro abrangendo um conjunto de ativos de renda variável, aqui representados por alguns índices de mercado. Estes dois portfolios ótimos apresentam a melhor relação entre retorno e risco para o conjunto de ativos que os integram, cujas proporções são também apresentadas. O artigo finaliza apresentando diferentes combinações destes dois portfolios ótimos com suas respectivas relações de risco e retorno e algumas conclusões pertinentes.
Em um próximo artigo explicaremos as limitações e, também, as vantagens para quem começar agora a utilizar estas técnicas de construção de portfolios eficientes para atender as necessidades de risco e retorno dos proprietários das carteiras que os leitores administram.

IMPLEMENTAÇÃO DO ALGORITMO DE SHARPE


Descrevemos a seguir uma implementação do algoritmo de Sharpe, que procura encontrar uma combinação de ativos que maximize a relação retorno x risco. Este método segue os seguintes passos:

1. A partir de séries de taxas de retorno acima de um ativo de renda fixa de risco virtualmente zero (ou de um índice predeterminado), devemos encontrar a média desses retornos (prêmio de risco ou retorno real médio) para o período dado e o desvio padrão (risco) dos retornos para cada ativo selecionado. Dividimos então, o prêmio de risco pelo desvio padrão, gerando o chamado Índice de Sharpe (IS) – que mede a relação retorno x risco de cada ativo – ou seja, quanto de retorno um ativo está gerando para cada unidade de risco assumida. Graficamente, esta representação pode ser medida através do ângulo q (teta), que indica a inclinação da reta entre o portfolio e o ponto de origem. Quanto maior este ângulo, melhor a relação de remuneração em relação ao risco de cada ativo. Esta é a relação que será objeto de maximização no modelo, através de múltiplas iterações.

2. Cálculo das covariâncias entre os vários ativos. A covariância mede como se comporta a variação de um ativo dada a variação em outro ativo. Desta forma, devemos calcular as covariâncias de todos os ativos envolvidos. Esta é a grande limitação prática do modelo pois, como já vimos, a quantidade de cálculos necessários cresce exponencialmente com o número de ativos.

3. Calculadas as medidas de risco e retorno dos vários ativos e suas covariâncias, devemos procurar um portfolio possível para podermos iniciar as iterações do algoritmo de Sharpe propriamente ditas. No nosso modelo, este portfolio inicial consiste na alocação de 100% dos recursos no ativo com o melhor IS. Esse procedimento reduz significativamente o número de iterações necessárias para a obtenção do ponto ótimo.

A idéia básica do algoritmo em si é buscar melhorar o portfolio de forma sucessiva, incrementando a proporção de ativos que melhorem seu desempenho e decrementando os que o piorem. Para tanto, são testados todos os ativos, sendo escolhido para o incremento o ativo que proporcionou o maior incremento no ângulo q e, conseqüentemente, retirando o que o tornou pior. Esse incremento é dado por um valor d (delta) cujo valor inicial é 1/n, onde n é o número de ativos. Quando não existem melhorias possíveis para d, este é dividido por dois, e novas iterações são feitas, repetindo-se todo o ciclo até que d seja igual a um valor muito pequeno (como 0,0001) garantindo um exatidão até a quarta casa decimal. O portfolio então gerado será o ótimo. A Cecorp Consulting dispõe deste modelo desenvolvido para aplicações práticas no caso brasileiro. A seguir apresentamos um exemplo de sua utilização.

Um caso prático – Vamos ilustrar a aplicação deste algoritmo através de um exemplo prático: buscar o portfolio ótimo para um grupo de ativos de renda fixa e outro de renda variável. Como grupo de ativos de renda fixa, selecionamos as séries de retornos acima do INPC para o período de 30 meses encerradas em maio 94 da caderneta de poupança; do CDB pré-fixado Anbid; do ouro; da taxa de retorno média dos 40 maiores fundos de renda fixa e de uma aplicação hipotética a 98% da taxa do CDI.
Para a renda variável, selecionamos, dentro do mesmo horizonte temporal, cinco ativos: as séries do IBA; do IBV; do FGV-100; do Ibovespa e do I-SENN. Os resultados encontrados estão nas Tabelas I e II.
Para ilustrar como chegamos aos resultados, tomemos como exemplo a renda variável: o portfolio inicial seria de 100% no FGV-100 (melhor índice de Sharpe), onde n seria igual a seis ativos e um índice, e assim o d inicial seria 1/6 = 16,67%. A seguir, devemos testar se um incremento de d de algum ativo no portfolio inicial melhora o seu IS. Para tanto, devemos calcular o risco e o retorno de todos os portfolios possíveis para este d. Produzidos estes cálculos, verificamos que a única combinação de 83,33% (100 menos d) com 16,67% (d)  de outro índice que melhora o IS do porfolio é com o IBV, e assim temos um novo portfolio composto por 83,33% de FGV-100 e 16,67% de IBV (o melhor para d = 16,67%). Dividindo este d por dois, temos o valor de d, que é igual a 8,33%. Repetindo-se os testes para este novo d, verificamos que um portfolio com 91,66% de FGV-100 (83,33% mais d) e 8,33% de IBV (16,67% menos d) é mais eficiente que o anterior (maior IS). Se repetirmos todos os testes para mais nove níveis de d (até 0,0001) teremos o portfolio ótimo com 11,41% de IBV e 88,59% de FGV-100. É impraticável calcular este procedimento à mão, devido à quantidade de cálculos, pois para cada teste dentro de cada d devemos calcular o risco e o retorno do portfolio resultante.

Resultados – Algumas conclusões interessantes podem ser depreendidas das Tabelas: o IS do portfolio ótimo é superior ao dos ativos individualmente, comprovando assim ser este um portfolio eficiente. Logicamente, se isto não fosse verdade, o modelo alocaria 100% dos recursos no ativo com maior IS.
Outra constatação é a de que os ativos que compõem os portfolios ótimos são os que tem os maiores IS. Isto está de acordo com o que fazemos em nossas próprias carteiras, ou seja, buscamos sempre os títulos mais atraentes. A grande diferença é que o modelo vai além, levando em conta as inter-relações (covariâncias), entre os diversos ativos.
Em relação ao portfolio de renda fixa, o modelo optou por uma combinação entre fundos de renda fixa com um investimento hipotético a 98% da taxa de CDI. O CDI é, de fato, o ativo com a maior taxa de juros possível. Por esta razão, colocamos um investimento hipotético a 98% desta taxa, uma vez que à taxa plena, o modelo alocaria 100% do portfolio ao CDI. Se existisse este investimento para o investidor comum, todos os investidores se dirigiram a ele. Entre CDB e fundo de renda fixa, o modelo preferiu o segundo, pelo simples motivo de que o CDB é uma aplicação em apenas um título (no caso, a média da Anbid), por definição com maior risco do que um fundo de renda fixa, que representa o retorno de uma cesta de títulos de renda fixa, públicos e privados. A poupança apresentou no período um retorno muito baixo e o ouro, dada a sua relação entre risco e retorno, está fora de cogitação para qualquer investidor racional. Devemos notar que os ativos escolhidos são os de maior IS.
Quanto à renda variável, o modelo escolheu o índice com o maior IS, o FGV-100. Porém note que a combinação do portfolio ótimo deu-se com o IBV, e não com a Ibovespa que possui maior índice de Sharpe. Isto deve-se ao fato de que a covariância entre o FGV-100 e o IBV (197,86) é menor do que a existente entre o FGV-100 e o Ibovespa (202,18). Chamamos atenção ao fato de que estes são os índices com uma composição bem distinta: o IBV (assim como o IBA) podem ser descritos como carteiras de mercado diversificadas, e o FGV-100 como uma carteira de empresas de crescimento (o índice possui 100 empresas privadas não-financeiras e não é concentrado). Já o Ibovespa e o I-SENN podem ser considerados como carteiras agressivas e concentradas em poucos papéis. Se tivéssemos outros índices, como por exemplo índices setoriais, de empresas de crescimento, de empresas de baixa relação preço/valor patrimonial e outros, os resultados seriam, sem dúvida, mais interessantes.
O que o modelo fez foi aliar uma carteira diversificada (IBV), ponderada por valor de mercado, e por isto bem diversificada, com uma pulverização em empresas privadas de médio porte existentes no índice da FGV. Este possui um menor nível de risco devido à sua diversificação, oriunda do número de papéis e de baixa ponderação relativa entre os papéis que o integram.


RESULTADOS DE OTIMIZAÇÃO PARA RENDA FIXA*

ÍNDICES E ATIVOS

RETORNO MÉDIO
DP
IS
% DO PORT
ÓTIMO
INPC
OURO
POUPANÇA
CDB ANBID
CDI (98% DA TAXA)
FUND.RENDA FIXA
0.00
-0.10
0.64
1.38
1.53
1.76
0.00
5.42
1.51
2.30
1.27
1.42
0.000
-0.018
0.428
0.600
1.208
1.238
0.00
0.00
0.00
0.00
45.20
54.80

PORTFOLIO ÓTIMO

1.66

1.30

1.273

100.00
*Período analisado: 30 meses encerrados em maio/94

Ao compararmos a rentabilidade do portfolio de renda fixa e o de renda variável vemos que, como era de se esperar, o de renda variável possui um maior retorno médio e maior risco que o de renda fixa. Todavia, se analisarmos o risco e o retorno através do IS, esta relação para os ativos de ações é bem inferior ao dos de renda fixa. Isso significa que é necessário se incorrer em mais unidades de risco para se obter um retorno maior. Vale destacar que um resultado comum que encontramos quando incluímos ativos de renda variável e renda fixa em um mesmo modelo, o portfolio ótimo normalmente possui uma pequena proporção em ações, da ordem de 1% a 3%.

Conclusões – Por fim, alguns comentários relevantes. O que o modelo encontrou foi o portfolio mais eficiente nos últimos 30 meses, que pode ou não ser parecido com o que será nos próximos 30 meses. De fato, se soubéssemos a priori qual será o portfolio mais eficiente (contrariando a premissa do mercado eficiente), todos investiriam neste portfolio subindo, assim, seu custo de aquisição. Esta atitude, por sua vez, recolocaria os ativos em seu ponto de equilíbrio, eliminando os ganhos futuros.
Na prática, o que pode ser feito é imputarmos no modelo estimativas futuras de risco e retorno. Quanto mais próximas da realidade estiverem essas estimativas, mais próximo estará o portfolio gerado do verdadeiro portfolio ótimo. Um modelo de otimização não é uma bola de cristal, mas sim uma ferramenta objetiva e quantificada para medirmos o retorno e o risco de um portfolio desejado.

RESULTADOS DE OTIMIZAÇÃO
PARA RENDA VARIÁVEL*
ÍNDICES E ATIVOS
RETORNO MÉDIO
DP
IS
% DO PORT
ÓTIMO

INPC
IBA
IBV
FGV-100
IBOVESPA
I-SENN
0.00
4.93
5.75
5.51
5.61
5.61
0.00
17.82
18.89
14.41
17.95
18.53
0.000
0.277
0.304
0.382
0.312
0.302
0.00
0.00
11.41
88.59
0.00
0.00


PORTFOLIO ÓTIMO

5.54

14.41

0.384

100.00


*Período analisado: 30 meses encerrados em maio/94


Apesar de algumas deficiências de implementação no mercado brasileiro, um modelo de otimização pode se constituir em um excelente instrumento para que investidores, institucionais ou não descubram a sua combinação desejada entre títulos de renda fixa e de renda variável. Com isto, poderão adequar, individualmente, o nível de retorno e/ou risco que estão desejando para seus portfolios.

 

Carlos José Muniz e Henri Eduard Kistler

Diretor e Gerente da Cercop Consulting Ltda.
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