(artigo originalmente publicado na Revista Informe SENN nº 23,p. 10-12, maio 1994)
Portfolios ótimos:
um exemplo prático
O retorno e o risco de
carteiras de ativos de renda variável e de renda fixa
Até o advento da chamada teoria moderna de portfolios,
era noção comum que o nível de risco de uma carteira de investimento em ações
era minimizado quanto maior fosse o seu grau de diversificação, isto é, quanto
maior o número de títulos integrantes de um portfolio, menos ele incorreria em
risco específico, permanecendo apenas com o risco não-diversificável ou o risco
de mercado.
Harry Markowitz (1952) teorizou que isto não era bem
verdade e que existiriam portfolios eficientes, sem diversificação supérflua,
que seriam os preferidos por investidores nacionais. E um portfolio para ser
considerado eficiente deveria possuir o maior retorno para o seu nível de risco
ou, então, o menor nível de risco para uma dada taxa de retorno.
Ele afirmou, adicionalmente,
que era possível identificar estes portfolios eficientes através da análise de
três informações: da taxa de retorno de cada título integrante do portfolio;
das variações destas taxas de retorno (variância ou desvio padrão das taxas de
retorno); e das relações entre a taxa de retorno de cada título com a de todos
os outros títulos (a covariância entre as taxas de retorno). Por outro lado, um
programa de computador – na realidade para resolver o problema de cálculo
matemático do seu modelo, conhecido como programação quadrática – encontraria o
portfolio eficiente ou o portfolio ótimo entre um conjunto de títulos.
O método de Markowitz,
entretanto, mesmo com o auxílio do computador, na prática não foi utilizado
como instrumento de construção de portfolios ótimos dada a sua complexidade de
cálculo. Além disto, para se encontrar um portfolio ótimo de n títulos existe a necessidade de que
sejam calculadas n (n – 1) duas covariâncias. Assim, se
desejarmos montar este portfolio a partir de um conjunto de 100 títulos, por
exemplo, há a necessidade de que sejam calculadas 4.950 covariâncias entre suas
taxas de retorno! E este número aumenta exponencialmente com o aumento dos
títulos investíveis.
Alguns anos mais tarde,
William Sharpe (1964) concebeu um modelo muito mais simples, denominado de
modelo do índice único, demonstrando que a relação entre o risco e o retorno
entre os títulos é uma relação linear e esta relação é explicada por um índice
de mercado. Assim, todos os títulos estão correlacionados com este índice de
mercado. Esta simplificação elimina a necessidade de se calcular as
covariâncias entre todos os títulos, bastando para tanto verificar-se a
relação, ou a sensibilidade, entre a oscilação de um título e a oscilação de um
índice de mercado ou o seu coeficiente beta.
Para se otimizar portfolios
através da metodologia de Sharpe são necessários os coeficientes betas de cada
título, calculados através da regressão entre os retornos destes títulos e um
índice de mercado adequado, isto é, que tenha como critérios de ponderação o
valor de mercado das ações. A necessidade de se dispor de bons betas para a utilização deste modelo é de fundamental
importância, já que o coeficiente beta descreve as informações contidas na
matriz de variâncias/covariâncias entre títulos.
Em 1978 Sharpe deu outra
contribuição para o modelo original, criando um algoritmo que tornou viável e
prático o cálculo de portfolios ótimos, através da eliminação da programação
quadrática para resolver o problema matemático. Como o próprio Sharpe afirma em
seu artigo original (An Algorithm for
Portfolio Improvement, Research Paper nº 475, Graduate School of Business,
Starford University, Oct. 1978), a idéia básica do algoritmo é
“embaraçosamente simples” e cada iteração por ele realizado melhora um
portfolio possível calculado anteriormente.
O objetivo do presente
artigo é encontrar, baseado neste algoritmo, dois portfolios ótimos: um
reunindo um conjunto de ativos de renda fixa e outro abrangendo um conjunto de
ativos de renda variável, aqui representados por alguns índices de mercado.
Estes dois portfolios ótimos apresentam a melhor relação entre retorno e risco
para o conjunto de ativos que os integram, cujas proporções são também
apresentadas. O artigo finaliza apresentando diferentes combinações destes dois
portfolios ótimos com suas respectivas relações de risco e retorno e algumas
conclusões pertinentes.
Em um próximo artigo
explicaremos as limitações e, também, as vantagens para quem começar agora a
utilizar estas técnicas de construção de portfolios eficientes para atender as
necessidades de risco e retorno dos proprietários das carteiras que os leitores
administram.
IMPLEMENTAÇÃO DO ALGORITMO DE SHARPE
Descrevemos a seguir uma
implementação do algoritmo de Sharpe, que procura encontrar uma combinação de
ativos que maximize a relação retorno x risco. Este método segue os seguintes
passos:
1. A partir de séries de taxas
de retorno acima de um ativo de renda fixa de risco virtualmente zero (ou de um
índice predeterminado), devemos encontrar a média desses retornos (prêmio de
risco ou retorno real médio) para o período dado e o desvio padrão (risco) dos
retornos para cada ativo selecionado. Dividimos então, o prêmio de risco pelo
desvio padrão, gerando o chamado Índice de Sharpe (IS) – que mede a relação
retorno x risco de cada ativo – ou seja, quanto de retorno um ativo está
gerando para cada unidade de risco assumida. Graficamente, esta representação
pode ser medida através do ângulo q (teta), que indica a inclinação da reta entre
o portfolio e o ponto de origem. Quanto maior este ângulo, melhor a relação de
remuneração em relação ao risco de cada ativo. Esta é a relação que será objeto
de maximização no modelo, através de múltiplas iterações.
2. Cálculo das covariâncias
entre os vários ativos. A covariância mede como se comporta a variação de um
ativo dada a variação em outro ativo. Desta forma, devemos calcular as
covariâncias de todos os ativos envolvidos. Esta é a grande limitação prática
do modelo pois, como já vimos, a quantidade de cálculos necessários cresce
exponencialmente com o número de ativos.
3. Calculadas as medidas de
risco e retorno dos vários ativos e suas covariâncias, devemos procurar um
portfolio possível para podermos iniciar as iterações do algoritmo de Sharpe
propriamente ditas. No nosso modelo, este portfolio inicial consiste na
alocação de 100% dos recursos no ativo com o melhor IS. Esse procedimento reduz
significativamente o número de iterações necessárias para a obtenção do ponto
ótimo.
A idéia básica do algoritmo
em si é buscar melhorar o portfolio de forma sucessiva, incrementando a
proporção de ativos que melhorem seu desempenho e decrementando os que o
piorem. Para tanto, são testados todos os ativos, sendo escolhido para o
incremento o ativo que proporcionou o maior incremento no ângulo q e, conseqüentemente,
retirando o que o tornou pior. Esse incremento é dado por um valor d (delta) cujo valor inicial é
1/n, onde n é o número de ativos. Quando não existem melhorias possíveis para
d, este
é dividido por dois, e novas iterações são feitas, repetindo-se todo o ciclo
até que d seja igual a um valor muito pequeno (como 0,0001) garantindo um
exatidão até a quarta casa decimal. O portfolio então gerado será o ótimo. A
Cecorp Consulting dispõe deste modelo desenvolvido para aplicações práticas no
caso brasileiro. A seguir apresentamos um exemplo de sua utilização.
Um caso
prático –
Vamos ilustrar a aplicação deste algoritmo através de um exemplo prático:
buscar o portfolio ótimo para um grupo de ativos de renda fixa e outro de renda
variável. Como grupo de ativos de renda fixa, selecionamos as séries de
retornos acima do INPC para o período de 30 meses encerradas em maio 94 da
caderneta de poupança; do CDB pré-fixado Anbid; do ouro; da taxa de retorno
média dos 40 maiores fundos de renda fixa e de uma aplicação hipotética a 98%
da taxa do CDI.
Para a renda variável, selecionamos, dentro do mesmo
horizonte temporal, cinco ativos: as séries do IBA; do IBV; do FGV-100; do
Ibovespa e do I-SENN. Os resultados encontrados estão nas Tabelas I e II.
Para ilustrar como chegamos
aos resultados, tomemos como exemplo a renda variável: o portfolio inicial
seria de 100% no FGV-100 (melhor índice de Sharpe), onde n seria igual a seis
ativos e um índice, e assim o d inicial seria 1/6 = 16,67%. A seguir, devemos testar se um incremento
de d de
algum ativo no portfolio inicial melhora o seu IS. Para tanto, devemos calcular
o risco e o retorno de todos os portfolios possíveis para este d. Produzidos estes cálculos,
verificamos que a única combinação de 83,33% (100 menos d) com 16,67% (d) de outro índice que melhora o IS do porfolio
é com o IBV, e assim temos um novo portfolio composto por 83,33% de FGV-100 e
16,67% de IBV (o melhor para d = 16,67%). Dividindo este d por dois, temos o valor de d, que é igual a 8,33%.
Repetindo-se os testes para este novo d, verificamos que um portfolio com 91,66% de
FGV-100 (83,33% mais d) e 8,33% de IBV (16,67% menos d) é mais eficiente que o anterior (maior IS).
Se repetirmos todos os testes para mais nove níveis de d (até 0,0001) teremos o
portfolio ótimo com 11,41% de IBV e 88,59% de FGV-100. É impraticável calcular
este procedimento à mão, devido à quantidade de cálculos, pois para cada teste
dentro de cada d devemos calcular o risco e o retorno do portfolio resultante.
Resultados – Algumas conclusões
interessantes podem ser depreendidas das Tabelas: o IS do portfolio ótimo é
superior ao dos ativos individualmente, comprovando assim ser este um portfolio
eficiente. Logicamente, se isto não fosse verdade, o modelo alocaria 100% dos
recursos no ativo com maior IS.
Outra constatação é a de que os ativos que compõem
os portfolios ótimos são os que tem os maiores IS. Isto está de acordo com o
que fazemos em nossas próprias carteiras, ou seja, buscamos sempre os títulos
mais atraentes. A grande diferença é que o modelo vai além, levando em conta as
inter-relações (covariâncias), entre os diversos ativos.
Em relação ao portfolio de
renda fixa, o modelo optou por uma combinação entre fundos de renda fixa com um
investimento hipotético a 98% da taxa de CDI. O CDI é, de fato, o ativo com a
maior taxa de juros possível. Por esta razão, colocamos um investimento
hipotético a 98% desta taxa, uma vez que à taxa plena, o modelo alocaria 100%
do portfolio ao CDI. Se existisse este investimento para o investidor comum,
todos os investidores se dirigiram a ele. Entre CDB e fundo de renda fixa, o
modelo preferiu o segundo, pelo simples motivo de que o CDB é uma aplicação em
apenas um título (no caso, a média da Anbid), por definição com maior risco do
que um fundo de renda fixa, que representa o retorno de uma cesta de títulos de
renda fixa, públicos e privados. A poupança apresentou no período um retorno
muito baixo e o ouro, dada a sua relação entre risco e retorno, está fora de
cogitação para qualquer investidor racional. Devemos notar que os ativos
escolhidos são os de maior IS.
Quanto à renda variável, o
modelo escolheu o índice com o maior IS, o FGV-100. Porém note que a combinação
do portfolio ótimo deu-se com o IBV, e não com a Ibovespa que possui maior
índice de Sharpe. Isto deve-se ao fato de que a covariância entre o FGV-100 e o
IBV (197,86) é menor do que a existente entre o FGV-100 e o Ibovespa (202,18).
Chamamos atenção ao fato de que estes são os índices com uma composição bem
distinta: o IBV (assim como o IBA) podem ser descritos como carteiras de
mercado diversificadas, e o FGV-100 como uma carteira de empresas de
crescimento (o índice possui 100 empresas privadas não-financeiras e não é
concentrado). Já o Ibovespa e o I-SENN podem ser considerados como carteiras
agressivas e concentradas em poucos papéis. Se tivéssemos outros índices, como
por exemplo índices setoriais, de empresas de crescimento, de empresas de baixa
relação preço/valor patrimonial e outros, os resultados seriam, sem dúvida,
mais interessantes.
O que o modelo fez foi aliar
uma carteira diversificada (IBV), ponderada por valor de mercado, e por isto
bem diversificada, com uma pulverização em empresas privadas de médio porte
existentes no índice da FGV. Este possui um menor nível de risco devido à sua
diversificação, oriunda do número de papéis e de baixa ponderação relativa
entre os papéis que o integram.
RESULTADOS DE
OTIMIZAÇÃO PARA RENDA FIXA*
|
||||
ÍNDICES E ATIVOS
|
RETORNO
MÉDIO
|
DP
|
IS
|
% DO PORT
ÓTIMO
|
INPC
OURO
POUPANÇA
CDB ANBID
CDI (98% DA TAXA)
FUND.RENDA FIXA
|
0.00
-0.10
0.64
1.38
1.53
1.76
|
0.00
5.42
1.51
2.30
1.27
1.42
|
0.000
-0.018
0.428
0.600
1.208
1.238
|
0.00
0.00
0.00
0.00
45.20
54.80
|
PORTFOLIO ÓTIMO
|
1.66
|
1.30
|
1.273
|
100.00
|
*Período
analisado: 30 meses encerrados em maio/94
|
Ao compararmos a
rentabilidade do portfolio de renda fixa e o de renda variável vemos que, como
era de se esperar, o de renda variável possui um maior retorno médio e maior
risco que o de renda fixa. Todavia, se analisarmos o risco e o retorno através
do IS, esta relação para os ativos de ações é bem inferior ao dos de renda
fixa. Isso significa que é necessário se incorrer em mais unidades de risco
para se obter um retorno maior. Vale destacar que um resultado comum que
encontramos quando incluímos ativos de renda variável e renda fixa em um mesmo
modelo, o portfolio ótimo normalmente possui uma pequena proporção em ações, da
ordem de 1% a 3%.
Conclusões – Por fim, alguns
comentários relevantes. O que o modelo encontrou foi o portfolio mais eficiente
nos últimos 30 meses, que pode ou não ser parecido com o que será nos próximos
30 meses. De fato, se soubéssemos a priori qual será o portfolio mais eficiente
(contrariando a premissa do mercado eficiente), todos investiriam neste
portfolio subindo, assim, seu custo de aquisição. Esta atitude, por sua vez,
recolocaria os ativos em seu ponto de equilíbrio, eliminando os ganhos futuros.
Na prática, o que pode ser feito é imputarmos no
modelo estimativas futuras de risco e retorno. Quanto mais próximas da
realidade estiverem essas estimativas, mais próximo estará o portfolio gerado
do verdadeiro portfolio ótimo. Um modelo de otimização não é uma bola de
cristal, mas sim uma ferramenta objetiva e quantificada para medirmos o retorno
e o risco de um portfolio desejado.
RESULTADOS DE
OTIMIZAÇÃO
PARA RENDA
VARIÁVEL*
|
|||||
ÍNDICES E
ATIVOS
|
RETORNO MÉDIO
|
DP
|
IS
|
% DO PORT
ÓTIMO
|
|
INPC
IBA
IBV
FGV-100
IBOVESPA
I-SENN
|
0.00
4.93
5.75
5.51
5.61
5.61
|
0.00
17.82
18.89
14.41
17.95
18.53
|
0.000
0.277
0.304
0.382
0.312
0.302
|
0.00
0.00
11.41
88.59
0.00
0.00
|
|
PORTFOLIO ÓTIMO
|
5.54
|
14.41
|
0.384
|
100.00
|
|
*Período
analisado: 30 meses encerrados em maio/94
|
Apesar de algumas
deficiências de implementação no mercado brasileiro, um modelo de otimização
pode se constituir em um excelente instrumento para que investidores,
institucionais ou não descubram a sua combinação desejada entre títulos de
renda fixa e de renda variável. Com isto, poderão adequar, individualmente, o
nível de retorno e/ou risco que estão desejando para seus portfolios.
Carlos José Muniz e Henri Eduard Kistler
Diretor e Gerente da Cercop Consulting Ltda.
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